terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O DESAFIO DA HISTÓRIA INDÍGENA NO BRASIL

O professor John Manuel Monteiro*  tratou no texto, O desafio da História Indígena no Brasil, do processo de inclusão dos povos indígenas na historiografia brasileira. A partir de uma perspectiva otimista acerca do futuro dessas populações que antes foram excluídas junto com outros grupos sociais. Demonstrando, a partir de três elementos, como a história indígena encontrou um campo de crescimento fértil no Brasil. Sob a decisiva e marcante influência de John Monteiro, a história dos índios no Brasil se renovou significativamente, com abordagens histórico-antropológicas que nos permite novas compreensões sobre o lugar dos índios em nossa história.

"A extinção dos índios, tantas vezes prognosticada, é negada enfaticamente pela capacidade das sociedades nativas em sobreviver os mais hediondos atentados contra sua existência. Recuperar os múltiplos processos de interação entre essas sociedades e as populações que surgiram a partir da colonização européia, processos esses que vão muito além do contato inicial e dizimação subsequente dos índios, apresenta-se como tarefa essencial para uma historiografia que busca desvencilhar-se de esquemas excessivamente deterministas. Com isto, páginas inteiras da história do país serão re-escritas; e ao futuro dos índios, reservar-se-á um espaço mais equilibrado e, quem sabe, otimista." (Monteiro, 1995)

O texto está disponível para Download.

*Especialista em história indígena, com vasta experiência em pesquisa documental nas Américas, Europa e Índia. Era graduado em História (Colorado College, 1978), mestrado e doutorado em História (Univ. Chicago, 1980 e 1985) e Livre-Docência (UNICAMP, 2001). Mantinha o site "Os Índios na História do Brasil" (www.ifch.unicamp.br/ihb), disponibilizando informações sobre esta área de pesquisa. 

domingo, 25 de janeiro de 2015

CINCO IDEIAS EQUIVOCADAS SOBRE OS ÍNDIOS

No texto, Cinco ideias equivocadas sobre os índios, o professor José Ribamar Bessa Freire* trata, como já diz o título, das cinco ideias que já estão fundamentadas no imaginário brasileiro sobre as populações indígenas.

"(...)É importante discutir essas idéias equivocadas, porque com elas não é possível entender o Brasil atual. Se nós não tivermos um conhecimento correto sobre a história indígena, sobre o que aconteceu na relação com os índios, não poderemos explicar o Brasil contemporâneo. As sociedades indígenas constituem um indicador extremamente sensível da natureza da sociedade que com elas interage. A sociedade brasileira se desnuda e se revela no relacionamento com os povos indígenas. É ai que o Brasil mostra a sua cara. Nesse sentido, tentar compreender as sociedades indígenas não é apenas procurar conhecer “o outro”, “o diferente”, mas implica conduzir as indagações e reflexões sobre a própria sociedade em que vivemos.(...)" 


Descubra quais são as cinco ideias?

*Professor da Faculdade de Educação da UERJ e coordenador, desde 1992, do Programa de Estudos dos Povos Indígenas. Professor do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro –UNI-Rio.

    

No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é

Por Eduardo Viveiros de Castro

Começo por dizer que suspeito que nossa entrevista vai ter de abundar em aspas; não apenas ou principalmente aspas de citação, mas sobretudo aspas de distanciamento. Isso porque essa discussão – quem é índio?, o que define o pertencimento? etc. – possui uma dimensão meio delirante ou alucinatória, como de resto toda discussão onde o ontológico e o jurídico entram em processo público de acasalamento. Costumam nascer monstros desse processo. Eles são pitorescos e relativamente inofensivos, desde que a gente não acredite demais neles. Em caso contrário, eles nos devoram. Donde as aspas agnósticas.
A questão que me foi colocada não pára de reaparecer desde que comecei a estudar antropologia, já logo vão 30 anos. Naquela distante época, estávamos sendo acuados pela geopolítica modernizadora da ditadura – era o final dos anos de 1970 –, que nos queria enfiar goela abaixo o seu famoso projeto de emancipação. Esse projeto, associado como estava ao processo de ocupação induzida (invasão definitiva seria talvez uma expressão mais correta) da Amazônia, consistia na criação de um instrumento jurídico para discriminar quem era índio de quem não era índio. O propósito era emancipar, isto é, retirar da responsabilidade tutelar do Estado os índios que se teriam tornado não-índios, os índios que não eram mais índios, isto é, aqueles indivíduos indígenas que “já” não apresentassem “mais” os estigmas de indianidade estimados necessários para o reconhecimento de seu regime especial de cidadania (o respeito a esse regime, bem entendido, era e é outra coisa).
Foi em reação a esse projeto de desindianização jurídica que apareceram as Comissões Pró-Índio e as Anaís (Associação Nacional de Ação Indigenista); foi também nesse contexto que se formaram ou consolidaram organizações como o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e o PIB, o “Projeto Povos Indígenas no Brasil” do CEDI (o PIB, como todos sabem, está na origem do ISA). Tudo isso surgiu desse movimento, que se constituiu precisamente em torno da questão de quem é índio – não para responder a essa questão, mas para responder contra essa questão, pois ela não era uma questão, mas uma resposta, uma resposta que cabia “questionar”, ou seja, recusar, deslocar e subverter. “Quem vai responder a essa resposta?”, pergunta o personagem de um filme de Herzog. Justamente: como responder à resposta que o Estado tomava como inquestionável em sua questão, a saber: que “índio” era um atributo determinável por inspeção e mencionável por ostensão, uma substância dotada de propriedades características, algo que se podia dizer o que é, e quem preenche os requisitos de tal qüididade – como responder a essa resposta? Pois, a se crer nela, tratar-se-ia apenas de mandar chamar os peritos e pedir que eles indicassem quem era e quem não era índio. Mas os peritos se recusaram a responder a tal resposta. Pelo menos inicialmente.
Note-se que, naquela época, a questão de saber quem era índio não se cristalizava em torno daquilo que se veio a chamar etnias emergentes, fenômeno bastante posterior: foram tais novas etnicidades, ao contrário, que surgiram da questão, respondendo a ela com uma resposta deslocada, isto é, inesperada. O problema da época, muito ao contrário de qualquer “emergência”, era a submergência das etnias, era o problema das etnias submergentes, daqueles coletivos que estavam seguindo, por força das circunstâncias (isto é um eufemismo), uma trajetória histórica de afastamento de suas referências indígenas, e de quem, com esse pretexto, o governo queria se livrar: “Esse pessoal não é mais índio, nós lavamos as mãos. Não temos nada a ver com isso. Liberem-se as terras deles para o mercado; deixe-se eles negociarem sua força de trabalho no mercado”.
Nosso objetivo político e teórico, como antropólogos, era estabelecer definitivamente – não o conseguimos; mas acho que um dia vamos chegar lá – que índio não é uma questão de cocar de pena, urucum e arco e flecha, algo de aparente e evidente nesse sentido estereotipificante, mas sim uma questão de “estado de espírito”. Um modo de ser e não um modo de aparecer. Na verdade, algo mais (ou menos) que um modo de ser: a indianidade designava para nós um certo modo de devir, algo essencialmente invisível mas nem por isso menos eficaz: um movimento infinitesimal incessante de diferenciação, não um estado massivo de “diferença” anteriorizada e estabilizada, isto é, uma identidade. (Um dia seria bom os antropólogos pararem de chamar identidade de diferença e vice-versa.) A nossa luta, portanto, era conceitual: nosso problema era fazer com que o “ainda” do juízo de senso comum “esse pessoal ainda é índio” (ou “não é mais”) não significasse um estado transitório ou uma etapa a ser vencida. A ideia é a de que os índios “ainda” não tinham sido vencidos, nem jamais o seriam. Eles jamais acabar(i)am de ser índios, “ainda que”... Ou justamente porquê. Em suma, a ideia era que “índio” não podia ser visto como uma etapa na marcha ascensional até o invejável estado de “branco” ou “civilizado”.

Acesse o texto na íntegra:
http://pib.socioambiental.org/files/file/PIB_institucional/No_Brasil_todo_mundo_%C3%A9_%C3%ADndio.pdf

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

TRIBO NÃO PODE?

Por Patricia Melo Sampaio*

As palavras não são as coisas, mas não há coisas sem as palavras”. R. Koselleck

É fundamental reconhecer o poder das palavras e, neste caso, dos conceitos e noções que elas carregam. A expressão saiu das aulas de História Indígena e do Indigenismo, disciplina da graduação de História da UFAM ministrada em 2014. A ideia era atualizar a discussão historiográfica acerca dos povos indígenas no Brasil e, principalmente, descontruir pré-conceitos. Comecei pela “tribo”. Não pode usar para referir-se a populações ameríndias. De jeito nenhum. E porque não? Historiador que se preze tem que perguntar “como as coisas que são chegaram a ser como são”. Então, há que se perguntar de onde veio a noção de “tribo”. Ela tem suas raízes na ideia evolucionista de sociedade na qual os grupos humanos partiam de estágios incipientes de desenvolvimento para “evoluir” (ou não) em direção à “civilização”, conquistando um status qualitativamente distinto em relação ao seu “mundo primitivo” ou “tribal”. Trata-se de um conceito equivocado, etnocêntrico e carregado de preconceito que, há tempos, é desconsiderado pela Antropologia. As sociedades humanas organizadas não obedecem a nenhum caminho pré-determinado e único em direção a um ideal de civilidade que, neste caso, tinha (tem) como parâmetro o mundo europeu ocidental. Como se referir aos povos indígenas? De preferência, como eles quiserem se chamar, mas, na ausência desta informação, recomenda-se usar “povos indígenas”, “populações nativas”, “povos ameríndios”. Tribo não pode.

*Patricia Melo Sampaio é professora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e pesquisadora do CNPq. Fez doutorado pela Universidade Federal Fluminense (UFF/RJ). Suas áreas de pesquisa são história indígena e do indigenismo no Brasil e da escravidão africana na Amazônia.