terça-feira, 28 de abril de 2015

#DicaDeLivro >> Os índios na História do Brasil - Maria Regina Celestino de Almeida

Na atualidade, um dos melhores livros de síntese sobre a História dos Índios é "Os Índios na História do Brasil" da historiadora Maria Regina Celestino de Almeida. O livro é, simplesmente, sensacional, e deveria ser leitura obrigatória e indispensável para todo professor de história do ensino básico e superior. Uma obra atualizada, historiograficamente falando, e de fácil leitura.

Este é o texto contido na orelha do livro:

"Os diferentes povos indígenas habitantes do Brasil tiveram participação essencial nos processos de construção e desenvolvimento das sociedades coloniais e pós-coloniais aqui estabelecidas. Foram, porém, pouco valorizados em nossa história, na qual, grosso modo, apareciam como bravos ou mansos, conforme os interesses dos portugueses e posteriormente dos brasileiros. Submetidos e incorporados aos novos Impérios (português e brasileiro), perdiam culturas, identidades, deixavam de ser índios e desapareciam da história. Em nossos dias, essas ideias já não se sustentam. Pesquisas em diferentes tempos e espaços revelam a imensa capacidade dos índios de agir movidos por interesses próprios diante das mais violentas situações. Inseridos em novas sociedades, criaram múltiplas estrategias de sobrevivência que incluíam negociações, conflitos, rearticulações culturais e identitárias continuamente transformadas na interação com outros grupos étnicos sociais. Preconceitos e visões estereotipadas sobre os índios vão sendo desconstruídas e, aos poucos, cuja ação deve ser levada em conta para melhor compreensão da história do Brasil."

"Os índios na História do Brasil", faz parte da coleção FGV de Bolso - série História. Essa coleção é voltada para a produção de livros de síntese. Eles são acessíveis ($), de fácil leitura, além de serem em formato de livros de bolso, o que facilita na hora de levar para outros lugares.

Maria Regina Celestino de Almeida possui graduação em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1975), mestrado em História pela Universidade Federal Fluminense (1990) e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (2000) e pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS/Museu Nacional/UFRJ - 2005), na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS,Paris, 2006) e no Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC, Madri, 2012). Atualmente é professor associado da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do CNPq. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Indígena, atuando principalmente nos seguintes temas: indígenas, missionação, amazonas, rio de janeiro e identidade étnica.





Pra se ter uma ideia maior dos temas abordados no livro, seguem os títulos dos Capítulos:

- O lugar dos índios na história: dos bastidores ao palco;
- Os índios na América portuguesa;
- Guerras indígenas e guerras coloniais/pós-coloniais;
- Politica de aldeamento e colonização;
- Politica indigenista de Pombal e politicas indígenas;
- Etnicidade e nacionalismo no século XIX.

No Currículo Lattes da autora, existe uma descrição do projeto deste livro :

O objetivo do projeto é visa a repensar o lugar do índio na História do Brasil, através da elaboração de um livro de divulgação apresentando as tendências atuais da História e da Antropologia que vão no sentido de questionar e reinterpretar a história do contato entre os índios e as sociedades envolventes. Trata-se de entender os índios como sujeitos ativos e conscientes nos processos históricos nos quais se inserem. Pretende-se desenvolver o tema abordando de início, numa parte introdutória, algumas questões teórico-metodológicas da História e da Antropologia que, por longo tempo, contribuíram para excluir os índios de nossa história, enfatizando as mudanças conceituais e teóricas das duas disciplinas que, ao se aproximarem (nas últimas décadas), têm propiciado novas interpretações sobre as relações de contato e, consequentemente, uma revisão da História Indígena e da História do Brasil. Pretende-se também enfatizar o fato de que história indígena e história do Brasil se entrelaçam. As abordagens estereotipadas sobre os índios na História do Brasil serão questionadas com base em pesquisas recentes sobre as populações indígenas envolvidas com outros grupos étnicos e sociais. Pretende-se abordar temas gerais, num tempo longo (do século XVI ao XIX) e tratá-los de forma ampla, isto é, procurando exemplificar com estudos de casos concretos desenvolvidos em diferentes regiões do Brasil, com o objetivo também de realizar uma abordagem comparativa. Quando possível e necessário serão feitas comparações também com a América hispânica. Com recorte espacial e temporal tão amplo, serão priorizados alguns períodos e espaços que, por serem especialmente marcantes em relação à temática, apresentam documentação mais farta e têm merecido maior atenção dos pesquisadores. Some-se a isso, o fato de serem estes também os temas, em geral, mais abordados em nossa História do Brasil e, por isso mesmo, aqueles com maior necessidade de revisão.

O livro "Os índios na História do Brasil", encontra-se a venda na livraria virtual da Editora FGV e nas grandes livrarias de todo o país.

Referência:
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na História do Brasil./ Maria Regina Celestino de Almeida. - Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. 168 p. (Coleção FGV de Bolso. Série História)


domingo, 19 de abril de 2015

MAIS UM DIA DE ÍNDIO?

Patricia Sampaio*

Não é provocação. É só a constatação do que se repete todos os anos: chegou mais um 19 de abril, dia de índio. O cancioneiro popular já registrou o inconformismo cantando que, “antigamente, todo dia era dia de índio! ” É justa a fala, mas estou convencida de que não cabe a remissão ao passado. Ainda hoje, todo dia é dia de índio.

Basta acompanhar, com alguma seriedade, o extraordinário número de informações disponibilizadas na internet pelas entidades e associações indígenas para dimensionar o tamanho do drama vivido por dezenas de etnias país afora e, ao mesmo tempo, a densidade de suas ações políticas fazendo valer seus direitos constitucionais à terra e autogestão de seus territórios ameaçados – quando não tomados – pelo agronegócio e empreendimentos estatais que teimam em se assentar sobre terras e vidas arrasadas.

Tal como no passado, as terras indígenas continuam firmes na pauta da Câmara Federal. A demarcação de terras indígenas e quilombolas está em discussão sob o nome discreto de PEC215/2000 que pretende alterar a Constituição para favorecer o interesse dos ruralistas. Também continua o debate sobre políticas de ação afirmativa, inclusão social, educação diferenciada e as políticas de saúde. O leitor atento logo se dará conta de que os índios não desapareceram, ao contrário do que o senso comum acredita e vai reconhecer que sua presença se impõe para incômodo de tantos que é até difícil nominar. Tal como no passado, quando eles tiravam o sono de outros tantos.

Os índios são invisíveis? Nem tanto. Embora frequentemente ignorados, são capazes de lembrar ao “mundo branco” que as cidades também são, de algum modo, seus territórios. Parece ser este o recado dado quando, em abril/2011, um ônibus foi flechado na Zona Oeste de Manaus, como noticiou o jornal A Crítica. O motivo: o ônibus não atendeu ao sinal de parada! Confesse, leitor, que, ao menos uma vez, você já quis fazer algo parecido... O que talvez você ainda não saiba é que isso não é novidade em Manaus. No século XIX, era tão frequente que o Código de Posturas proibia que se atirassem flechas na cidade. O artigo foi revogado, mas os índios continuam aqui, demarcando novas fronteiras e atualizando suas formas de fazer política e este é apenas um exemplo prosaico.

Com isso, quero chamar a atenção dos meus colegas professores que, este ano, talvez fosse uma boa ideia não “fantasiar” nossos meninos e meninas de “índios genéricos”, desencarnados de História e desconectados de seu tempo como muitos desejariam que eles fossem. Para nós, povos da Amazônia, essa fantasia é ainda mais cruel porque aqui vivem cerca de 60% das etnias existentes no Brasil. Se considerarmos que mais de 70% da população amazônica vive nas cidades, é preciso reconhecer (ainda que muitos não queiram) que os índios compartilham os mesmos espaços urbanos que não-índios. Tentar mostrar às crianças histórias diferentes e do mundo real valeria muito a pena.

Tem quem acredite que os índios só existem como habitantes de um passado remoto e só podem ser considerados como tais quando exibem sinais reconhecidos que atestam sua genuinidade. Há quem afirme que suas lutas impedem o progresso do país e, não custa lembrar, também diziam isso no passado. Posturas equivocadas e preconceituosas que teimam em não ver o que está diante dos olhos todos os dias. Tentar apagar a presença indígena, tal como ela se configura no tempo presente, é tarefa inútil como a História já demonstrou. Não precisa levar uma flechada para saber que, até hoje, “todo dia é dia de índio”.


*Prof.ª Dr.ª Patricia Melo Sampaio do Departamento de História da UFAM e membro do POLIS - Núcleo de Pesquisa em Política, Instituições e Práticas Sociais da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)



Este artigo foi originalmente publicado no acritica.uol em 19 de Abril de 2012.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

LIBERDADE x ESCRAVIDÃO

No seu artigo sobre liberdade e escravidão indígena, Beatriz Perrone-Moisés*, aborda as questões que giram em torno da maneira como a Legislação do Brasil Colonial tratava o cativeiro indígena. A autora aponta contradições nessa legislação que ora dava liberdade aos Índios e ora apoiava o seu cativeiro. O texto também trata do funcionamento dos aldeamentos indígenas, mas sempre voltado para as questões da liberdade e da escravidão.
Este texto foi originalmente publicado no livro História dos Índios no Brasil, que é organizado por Manuela Carneiro Da Cunha, pela Cia. Das Letras. Infelizmente, o livro encontra-se esgotado, o que é lamentável já que ele é quase uma “Bíblia” para os que se dedicam a temática indígena, não importando a área.  AQUI está sendo disponibilizado apenas o artigo de Beatriz Perrone-Moisés, Índios Livres E Índios Escravos: Os Princípios Da Legislação Indígenas. Em breve disponibilizaremos outros artigos do mesmo livro.


*Beatriz Perrone-Moisés é Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1982), Mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (1990) e Doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (1996). Pós-doutorado EHESS-França (2003). Professora do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo e pesquisadora do Centro de Estudos Ameríndios (CEstA-USP).

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O DESAFIO DA HISTÓRIA INDÍGENA NO BRASIL

O professor John Manuel Monteiro*  tratou no texto, O desafio da História Indígena no Brasil, do processo de inclusão dos povos indígenas na historiografia brasileira. A partir de uma perspectiva otimista acerca do futuro dessas populações que antes foram excluídas junto com outros grupos sociais. Demonstrando, a partir de três elementos, como a história indígena encontrou um campo de crescimento fértil no Brasil. Sob a decisiva e marcante influência de John Monteiro, a história dos índios no Brasil se renovou significativamente, com abordagens histórico-antropológicas que nos permite novas compreensões sobre o lugar dos índios em nossa história.

"A extinção dos índios, tantas vezes prognosticada, é negada enfaticamente pela capacidade das sociedades nativas em sobreviver os mais hediondos atentados contra sua existência. Recuperar os múltiplos processos de interação entre essas sociedades e as populações que surgiram a partir da colonização européia, processos esses que vão muito além do contato inicial e dizimação subsequente dos índios, apresenta-se como tarefa essencial para uma historiografia que busca desvencilhar-se de esquemas excessivamente deterministas. Com isto, páginas inteiras da história do país serão re-escritas; e ao futuro dos índios, reservar-se-á um espaço mais equilibrado e, quem sabe, otimista." (Monteiro, 1995)

O texto está disponível para Download.

*Especialista em história indígena, com vasta experiência em pesquisa documental nas Américas, Europa e Índia. Era graduado em História (Colorado College, 1978), mestrado e doutorado em História (Univ. Chicago, 1980 e 1985) e Livre-Docência (UNICAMP, 2001). Mantinha o site "Os Índios na História do Brasil" (www.ifch.unicamp.br/ihb), disponibilizando informações sobre esta área de pesquisa. 

domingo, 25 de janeiro de 2015

CINCO IDEIAS EQUIVOCADAS SOBRE OS ÍNDIOS

No texto, Cinco ideias equivocadas sobre os índios, o professor José Ribamar Bessa Freire* trata, como já diz o título, das cinco ideias que já estão fundamentadas no imaginário brasileiro sobre as populações indígenas.

"(...)É importante discutir essas idéias equivocadas, porque com elas não é possível entender o Brasil atual. Se nós não tivermos um conhecimento correto sobre a história indígena, sobre o que aconteceu na relação com os índios, não poderemos explicar o Brasil contemporâneo. As sociedades indígenas constituem um indicador extremamente sensível da natureza da sociedade que com elas interage. A sociedade brasileira se desnuda e se revela no relacionamento com os povos indígenas. É ai que o Brasil mostra a sua cara. Nesse sentido, tentar compreender as sociedades indígenas não é apenas procurar conhecer “o outro”, “o diferente”, mas implica conduzir as indagações e reflexões sobre a própria sociedade em que vivemos.(...)" 


Descubra quais são as cinco ideias?

*Professor da Faculdade de Educação da UERJ e coordenador, desde 1992, do Programa de Estudos dos Povos Indígenas. Professor do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro –UNI-Rio.

    

No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é

Por Eduardo Viveiros de Castro

Começo por dizer que suspeito que nossa entrevista vai ter de abundar em aspas; não apenas ou principalmente aspas de citação, mas sobretudo aspas de distanciamento. Isso porque essa discussão – quem é índio?, o que define o pertencimento? etc. – possui uma dimensão meio delirante ou alucinatória, como de resto toda discussão onde o ontológico e o jurídico entram em processo público de acasalamento. Costumam nascer monstros desse processo. Eles são pitorescos e relativamente inofensivos, desde que a gente não acredite demais neles. Em caso contrário, eles nos devoram. Donde as aspas agnósticas.
A questão que me foi colocada não pára de reaparecer desde que comecei a estudar antropologia, já logo vão 30 anos. Naquela distante época, estávamos sendo acuados pela geopolítica modernizadora da ditadura – era o final dos anos de 1970 –, que nos queria enfiar goela abaixo o seu famoso projeto de emancipação. Esse projeto, associado como estava ao processo de ocupação induzida (invasão definitiva seria talvez uma expressão mais correta) da Amazônia, consistia na criação de um instrumento jurídico para discriminar quem era índio de quem não era índio. O propósito era emancipar, isto é, retirar da responsabilidade tutelar do Estado os índios que se teriam tornado não-índios, os índios que não eram mais índios, isto é, aqueles indivíduos indígenas que “já” não apresentassem “mais” os estigmas de indianidade estimados necessários para o reconhecimento de seu regime especial de cidadania (o respeito a esse regime, bem entendido, era e é outra coisa).
Foi em reação a esse projeto de desindianização jurídica que apareceram as Comissões Pró-Índio e as Anaís (Associação Nacional de Ação Indigenista); foi também nesse contexto que se formaram ou consolidaram organizações como o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e o PIB, o “Projeto Povos Indígenas no Brasil” do CEDI (o PIB, como todos sabem, está na origem do ISA). Tudo isso surgiu desse movimento, que se constituiu precisamente em torno da questão de quem é índio – não para responder a essa questão, mas para responder contra essa questão, pois ela não era uma questão, mas uma resposta, uma resposta que cabia “questionar”, ou seja, recusar, deslocar e subverter. “Quem vai responder a essa resposta?”, pergunta o personagem de um filme de Herzog. Justamente: como responder à resposta que o Estado tomava como inquestionável em sua questão, a saber: que “índio” era um atributo determinável por inspeção e mencionável por ostensão, uma substância dotada de propriedades características, algo que se podia dizer o que é, e quem preenche os requisitos de tal qüididade – como responder a essa resposta? Pois, a se crer nela, tratar-se-ia apenas de mandar chamar os peritos e pedir que eles indicassem quem era e quem não era índio. Mas os peritos se recusaram a responder a tal resposta. Pelo menos inicialmente.
Note-se que, naquela época, a questão de saber quem era índio não se cristalizava em torno daquilo que se veio a chamar etnias emergentes, fenômeno bastante posterior: foram tais novas etnicidades, ao contrário, que surgiram da questão, respondendo a ela com uma resposta deslocada, isto é, inesperada. O problema da época, muito ao contrário de qualquer “emergência”, era a submergência das etnias, era o problema das etnias submergentes, daqueles coletivos que estavam seguindo, por força das circunstâncias (isto é um eufemismo), uma trajetória histórica de afastamento de suas referências indígenas, e de quem, com esse pretexto, o governo queria se livrar: “Esse pessoal não é mais índio, nós lavamos as mãos. Não temos nada a ver com isso. Liberem-se as terras deles para o mercado; deixe-se eles negociarem sua força de trabalho no mercado”.
Nosso objetivo político e teórico, como antropólogos, era estabelecer definitivamente – não o conseguimos; mas acho que um dia vamos chegar lá – que índio não é uma questão de cocar de pena, urucum e arco e flecha, algo de aparente e evidente nesse sentido estereotipificante, mas sim uma questão de “estado de espírito”. Um modo de ser e não um modo de aparecer. Na verdade, algo mais (ou menos) que um modo de ser: a indianidade designava para nós um certo modo de devir, algo essencialmente invisível mas nem por isso menos eficaz: um movimento infinitesimal incessante de diferenciação, não um estado massivo de “diferença” anteriorizada e estabilizada, isto é, uma identidade. (Um dia seria bom os antropólogos pararem de chamar identidade de diferença e vice-versa.) A nossa luta, portanto, era conceitual: nosso problema era fazer com que o “ainda” do juízo de senso comum “esse pessoal ainda é índio” (ou “não é mais”) não significasse um estado transitório ou uma etapa a ser vencida. A ideia é a de que os índios “ainda” não tinham sido vencidos, nem jamais o seriam. Eles jamais acabar(i)am de ser índios, “ainda que”... Ou justamente porquê. Em suma, a ideia era que “índio” não podia ser visto como uma etapa na marcha ascensional até o invejável estado de “branco” ou “civilizado”.

Acesse o texto na íntegra:
http://pib.socioambiental.org/files/file/PIB_institucional/No_Brasil_todo_mundo_%C3%A9_%C3%ADndio.pdf

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

TRIBO NÃO PODE?

Por Patricia Melo Sampaio*

As palavras não são as coisas, mas não há coisas sem as palavras”. R. Koselleck

É fundamental reconhecer o poder das palavras e, neste caso, dos conceitos e noções que elas carregam. A expressão saiu das aulas de História Indígena e do Indigenismo, disciplina da graduação de História da UFAM ministrada em 2014. A ideia era atualizar a discussão historiográfica acerca dos povos indígenas no Brasil e, principalmente, descontruir pré-conceitos. Comecei pela “tribo”. Não pode usar para referir-se a populações ameríndias. De jeito nenhum. E porque não? Historiador que se preze tem que perguntar “como as coisas que são chegaram a ser como são”. Então, há que se perguntar de onde veio a noção de “tribo”. Ela tem suas raízes na ideia evolucionista de sociedade na qual os grupos humanos partiam de estágios incipientes de desenvolvimento para “evoluir” (ou não) em direção à “civilização”, conquistando um status qualitativamente distinto em relação ao seu “mundo primitivo” ou “tribal”. Trata-se de um conceito equivocado, etnocêntrico e carregado de preconceito que, há tempos, é desconsiderado pela Antropologia. As sociedades humanas organizadas não obedecem a nenhum caminho pré-determinado e único em direção a um ideal de civilidade que, neste caso, tinha (tem) como parâmetro o mundo europeu ocidental. Como se referir aos povos indígenas? De preferência, como eles quiserem se chamar, mas, na ausência desta informação, recomenda-se usar “povos indígenas”, “populações nativas”, “povos ameríndios”. Tribo não pode.

*Patricia Melo Sampaio é professora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e pesquisadora do CNPq. Fez doutorado pela Universidade Federal Fluminense (UFF/RJ). Suas áreas de pesquisa são história indígena e do indigenismo no Brasil e da escravidão africana na Amazônia.